SÃO FRANCISCO E A ECOLOGIA
Não é fácil para o homem moderno, com mentalidade científico-tecnológica, compreender a relação franciscana com os seres irracionais, mormente com as realidades materiais. Vivemos numa sociedade que nos ensinou a olhar as coisas como simples objectos, à disposição do nosso projecto utilitarista. A atitude franciscana, ao contrário, é de simpatia, admiração, celebração. Francisco rompe com os esquemas da razão e do cálculo superficial, bem como do gastar e do lucrar. Por isso, uma atitude de puro racionalismo não consegue compreender São Francisco. Muitos pretendem reduzi-lo a um sonhador ou a um romântico que, embora merecendo simpatia, não deve ser levado a sério.
Francisco de Assis soube viver a harmonia cósmica. Viveu de modo singular a utopia da grande fraternidade cósmica, predita pelo profeta Isaías. Todos os biógrafos ressaltam a relação fraterna de Francisco com todos os seres da criação. Transcreve-se apenas um texto de Celano
Não é fácil para o homem moderno, com mentalidade científico-tecnológica, compreender a relação franciscana com os seres irracionais, mormente com as realidades materiais. Vivemos numa sociedade que nos ensinou a olhar as coisas como simples objectos, à disposição do nosso projecto utilitarista. A atitude franciscana, ao contrário, é de simpatia, admiração, celebração. Francisco rompe com os esquemas da razão e do cálculo superficial, bem como do gastar e do lucrar. Por isso, uma atitude de puro racionalismo não consegue compreender São Francisco. Muitos pretendem reduzi-lo a um sonhador ou a um romântico que, embora merecendo simpatia, não deve ser levado a sério.
Francisco de Assis soube viver a harmonia cósmica. Viveu de modo singular a utopia da grande fraternidade cósmica, predita pelo profeta Isaías. Todos os biógrafos ressaltam a relação fraterna de Francisco com todos os seres da criação. Transcreve-se apenas um texto de Celano
(1 Cel 80-81).
«Seria longo, e até impossível, mencionar tudo quanto o glorioso Pai Francisco fez e ensinou enquanto viveu entre nós. Quem poderá descrever o seu inefável amor pelas criaturas de Deus e a doçura com que nelas admirava a sabedoria, o poder e a bondade do Criador? Ao contemplar o sol, a lua e as estrelas do firmamento, inundava-se-lhe a alma de gozo. Piedade simples, simplicidade piedosa: até pelos vermes tinha afeição, recordado da Escritura, que diz do Salvador: «Eu sou um verme e não um homem!» Por isso os retirava do meio do caminho para lugar seguro, não fossem esmagados pelos que passavam. E que dizer das demais criaturas inferiores, quando sabemos que, durante o Inverno, para as abelhas não morrerem de frio, queria que lhes servissem mel e vinho do melhor? De tal modo o engenho e apego ao trabalho destes pequenos seres o impeliam a louvar a Deus, que chegou a passar um dia inteiro a fazer o elogio destas e de outras criaturas. Como outrora os três jovens na fornalha convidavam todos os elementos a glorificarem e a bendizerem o Criador do Universo, assim este homem, cheio do espírito de Deus, jamais se cansava de glorificar, louvar e bendizer, em todos os elementos e em todos os seres, o Criador e Conservador de todas as coisas.
Que arrebatamento o seu quando admirava a beleza das flores ou lhes aspirava o delicado perfume! Imediatamente se reportava à contemplação dessa outra Flor primaveril, radiosamente nascida do tronco de Jessé, e que, mercê da sua fragrância, restituíra a vida a milhares de mortos. Quando encontrava muitas flores juntas, pregava-lhes e convidava-as a louvarem o seu Senhor, como se fossem dotadas de razão. O mesmo fazia diante dos trigais e dos vinhedos, dos rochedos e das florestas, das belas paisagens ridentes, das fontes, dos jardins, da terra e do fogo, do ar e do vento, convidando-os com simplicidade e pureza de alma a amarem e a louvarem o Senhor. A todos os seres chamava irmãos. Com penetrante intuição lograva descobrir duma maneira maravilhosa e de todos desconhecida o mistério das criaturas, pois gozava já da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Agora que ele está nos céus, com os anjos Te louva, ó bom Jesus - ele, que na terra proclamava, diante de todas as criaturas, que só Tu és digno de amor infinito.»
O amor e respeito de Francisco pela natureza não era abstracto, convencional e impessoal. Tratava cada ser com delicada cortesia, sempre respeitando a sua própria individualidade e lugar priviligiado no cosmos. A partir da sua fé, razão de ser de toda esta visão, celebrava a grande presença de Deus na criação.
O olhar de Francisco sobre as coisas revela também a sua pobreza. Tudo é obra do Senhor. Tudo é propriedade de Deus. Francisco nunca foi interesseiro e egoísta, nem tão pouco instrumentalizador. Para ele, as coisas devem ser conservadas ou protegidas não tanto pelo seu valor para o uso, mas sobretudo porque existem. Estava liberto da cobiça e do desejo de posse e de domínio. Coloca-se no meio das criaturas, não acima delas; canta o Senhor através das criaturas.
No Cântico do Irmão Sol, Francisco exprime simultâneamente o seu coração de crente e de poeta. Por detrás, contudo, não estão somente razões teológicas e, muito menos, poéticas. Francisco não se serviu poeticamente das criaturas, não as reduziu a simples metáforas e alegorias de profundas experiências pessoais e religiosas. Elas não perdem a sua identidade. Para Francisco nada é destruido ou desvalorizado, nem mesmo em função do religioso. Por outro lado, Francisco não pára nas criaturas, mas sobe até ao seu Autor e Criador.
Francisco é o homem «total»: não coloca o espírito de um lado e o corpo (matéria) de outro. Por isso, nele estão unidas ascese corporal e espiritual, fé e vida. Em tudo queria seguir os vestígios de Cristo. Em todas as coisas descobria uma relação com Cristo. Assim se distanciava Francisco dos outros movimentos religiosos do seu tempo, particularmente os cátaros, que defendiam uma atitude de desprezo para com os seres criados.
A atitude de Francisco diante da natureza não podia passar despercebida aos ecologistas e a quantos se preocupam com o meio ambiente. Já em 1966 o historiador Lynn White, numa reunião da "Associação americana para o progresso da ciência", propunha que São Francisco fosse o patrono dos ecologistas. Pouco tempo depois, em 1979, João Paulo II declarava São Francisco de Assis patrono dos ecologistas.
Na linha de Francisco, o verdadeiro franciscano é chamado a ser um "mundisensor", isto é, aquele que sente o mundo e os seres que nele estão. Este sentir o mundo manifesta-se de três modos:
1. A PRESENÇA: Todo o universo é testemunha da Presença criadora. È importante cultivar o "estar-frente-ao-outro", não de modo impessoal e coisificado, mas numa relação fraternal e comunhão afectiva. Com Deus, com os homens e com a natureza.
2. O OLHAR: Um olhar penetrante e atento, porque a realidade é presença e ausência. Um olhar que não é simplesmente "ver", mas mas que estabelece relações. Um olhar que procura redescobrir o "escutar", porque a natureza "fala"... se não nos deixamos invadir por ruídos e distrações sem fim. Não esqueçamos que o franciscano aproxima-se de todos os seres pela via do afecto e não tanto do conhecimento.
3. A MORAL DA FRUGALIDADE: É urgente abandonar a atitude consumista e a consequente relação com o mundo na linha de posse e de propriedade mais do que de simpatia e contemplação. Somente uma cultura ascética das coisas poderá livrar-nos da civilização do consumismo desumanizante e levar-nos a uma relação mais pessoal, mais livre e mais humana com todos os seres.
Para concluir, DIMENSÕES IMPORTANTES DA "ECOLOGIA FRANCISCANA":
:: As coisas apontam na direcção de Deus. Mas não são Deus. Francisco não pode ser acusado de panteísmo porque marcou bem a diferença entre o Criador e as criaturas.
:: São Francisco visa em primeiro lugar ao Criador e não à criação. Só assim pôde ver a beleza do mundo e não simplesmente a sua utilidade.
:: Por uma questão de sobrevivência é indispensável preservar o meio ambiente. Mas os franciscanos fazem-no ainda por outra razão mais profunda: por respeito ao Criador.
:: O homem não é o senhor absoluto da natureza. Deve aceitar a sua condição de criatura.
Confrontemos a nossa atitude por vezes materialista, utilitarista e consumista com a de Francisco, que em tudo e com todos canta os louvores de Deus Criador.
«Seria longo, e até impossível, mencionar tudo quanto o glorioso Pai Francisco fez e ensinou enquanto viveu entre nós. Quem poderá descrever o seu inefável amor pelas criaturas de Deus e a doçura com que nelas admirava a sabedoria, o poder e a bondade do Criador? Ao contemplar o sol, a lua e as estrelas do firmamento, inundava-se-lhe a alma de gozo. Piedade simples, simplicidade piedosa: até pelos vermes tinha afeição, recordado da Escritura, que diz do Salvador: «Eu sou um verme e não um homem!» Por isso os retirava do meio do caminho para lugar seguro, não fossem esmagados pelos que passavam. E que dizer das demais criaturas inferiores, quando sabemos que, durante o Inverno, para as abelhas não morrerem de frio, queria que lhes servissem mel e vinho do melhor? De tal modo o engenho e apego ao trabalho destes pequenos seres o impeliam a louvar a Deus, que chegou a passar um dia inteiro a fazer o elogio destas e de outras criaturas. Como outrora os três jovens na fornalha convidavam todos os elementos a glorificarem e a bendizerem o Criador do Universo, assim este homem, cheio do espírito de Deus, jamais se cansava de glorificar, louvar e bendizer, em todos os elementos e em todos os seres, o Criador e Conservador de todas as coisas.
Que arrebatamento o seu quando admirava a beleza das flores ou lhes aspirava o delicado perfume! Imediatamente se reportava à contemplação dessa outra Flor primaveril, radiosamente nascida do tronco de Jessé, e que, mercê da sua fragrância, restituíra a vida a milhares de mortos. Quando encontrava muitas flores juntas, pregava-lhes e convidava-as a louvarem o seu Senhor, como se fossem dotadas de razão. O mesmo fazia diante dos trigais e dos vinhedos, dos rochedos e das florestas, das belas paisagens ridentes, das fontes, dos jardins, da terra e do fogo, do ar e do vento, convidando-os com simplicidade e pureza de alma a amarem e a louvarem o Senhor. A todos os seres chamava irmãos. Com penetrante intuição lograva descobrir duma maneira maravilhosa e de todos desconhecida o mistério das criaturas, pois gozava já da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Agora que ele está nos céus, com os anjos Te louva, ó bom Jesus - ele, que na terra proclamava, diante de todas as criaturas, que só Tu és digno de amor infinito.»
O amor e respeito de Francisco pela natureza não era abstracto, convencional e impessoal. Tratava cada ser com delicada cortesia, sempre respeitando a sua própria individualidade e lugar priviligiado no cosmos. A partir da sua fé, razão de ser de toda esta visão, celebrava a grande presença de Deus na criação.
O olhar de Francisco sobre as coisas revela também a sua pobreza. Tudo é obra do Senhor. Tudo é propriedade de Deus. Francisco nunca foi interesseiro e egoísta, nem tão pouco instrumentalizador. Para ele, as coisas devem ser conservadas ou protegidas não tanto pelo seu valor para o uso, mas sobretudo porque existem. Estava liberto da cobiça e do desejo de posse e de domínio. Coloca-se no meio das criaturas, não acima delas; canta o Senhor através das criaturas.
No Cântico do Irmão Sol, Francisco exprime simultâneamente o seu coração de crente e de poeta. Por detrás, contudo, não estão somente razões teológicas e, muito menos, poéticas. Francisco não se serviu poeticamente das criaturas, não as reduziu a simples metáforas e alegorias de profundas experiências pessoais e religiosas. Elas não perdem a sua identidade. Para Francisco nada é destruido ou desvalorizado, nem mesmo em função do religioso. Por outro lado, Francisco não pára nas criaturas, mas sobe até ao seu Autor e Criador.
Francisco é o homem «total»: não coloca o espírito de um lado e o corpo (matéria) de outro. Por isso, nele estão unidas ascese corporal e espiritual, fé e vida. Em tudo queria seguir os vestígios de Cristo. Em todas as coisas descobria uma relação com Cristo. Assim se distanciava Francisco dos outros movimentos religiosos do seu tempo, particularmente os cátaros, que defendiam uma atitude de desprezo para com os seres criados.
A atitude de Francisco diante da natureza não podia passar despercebida aos ecologistas e a quantos se preocupam com o meio ambiente. Já em 1966 o historiador Lynn White, numa reunião da "Associação americana para o progresso da ciência", propunha que São Francisco fosse o patrono dos ecologistas. Pouco tempo depois, em 1979, João Paulo II declarava São Francisco de Assis patrono dos ecologistas.
Na linha de Francisco, o verdadeiro franciscano é chamado a ser um "mundisensor", isto é, aquele que sente o mundo e os seres que nele estão. Este sentir o mundo manifesta-se de três modos:
1. A PRESENÇA: Todo o universo é testemunha da Presença criadora. È importante cultivar o "estar-frente-ao-outro", não de modo impessoal e coisificado, mas numa relação fraternal e comunhão afectiva. Com Deus, com os homens e com a natureza.
2. O OLHAR: Um olhar penetrante e atento, porque a realidade é presença e ausência. Um olhar que não é simplesmente "ver", mas mas que estabelece relações. Um olhar que procura redescobrir o "escutar", porque a natureza "fala"... se não nos deixamos invadir por ruídos e distrações sem fim. Não esqueçamos que o franciscano aproxima-se de todos os seres pela via do afecto e não tanto do conhecimento.
3. A MORAL DA FRUGALIDADE: É urgente abandonar a atitude consumista e a consequente relação com o mundo na linha de posse e de propriedade mais do que de simpatia e contemplação. Somente uma cultura ascética das coisas poderá livrar-nos da civilização do consumismo desumanizante e levar-nos a uma relação mais pessoal, mais livre e mais humana com todos os seres.
Para concluir, DIMENSÕES IMPORTANTES DA "ECOLOGIA FRANCISCANA":
:: As coisas apontam na direcção de Deus. Mas não são Deus. Francisco não pode ser acusado de panteísmo porque marcou bem a diferença entre o Criador e as criaturas.
:: São Francisco visa em primeiro lugar ao Criador e não à criação. Só assim pôde ver a beleza do mundo e não simplesmente a sua utilidade.
:: Por uma questão de sobrevivência é indispensável preservar o meio ambiente. Mas os franciscanos fazem-no ainda por outra razão mais profunda: por respeito ao Criador.
:: O homem não é o senhor absoluto da natureza. Deve aceitar a sua condição de criatura.
Confrontemos a nossa atitude por vezes materialista, utilitarista e consumista com a de Francisco, que em tudo e com todos canta os louvores de Deus Criador.
(cfr. "Franciscanismo e reverência pela criação", in "Cadernos
franciscanos 3", Vozes + CEFEPAL do Brasil, Petropolis 1991)
franciscanos 3", Vozes + CEFEPAL do Brasil, Petropolis 1991)
Nenhum comentário:
Postar um comentário